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Atividades disputam espaço em Galinhos
19/08/2012
Cercada de águas, a península onde fica Galinhos é
habitada por pouco mais de duas mil pessoas. Com as principais áreas de
pesca perdidas após a instalação de um polo salineiro e uma empresa de
carcinicultura nas décadas de 1980 e 1990, o município passou a apostar
fortemente no turismo há alguns anos. Mais ou menos o tempo em que a
cidade passou a receber empresas interessadas em gerar energia elétrica a
partir dos ventos que passavam pela região. A convivência era de paz
até os moradores tomarem conhecimento, em novembro do ano passado, que o
consórcio Brasventos pretendia instalar os 35 aerogeradores do
empreendimento Rei dos Ventos I justamente em cima das Dunas do Capim.
Além do argumento do impacto ambiental, a comunidade teme a perda do
"diferencial turístico" que a área representa.
A professora do
Departamento de Turismo da Universidade Federal do RN (UFRN), Rosana
Mara Mazaro, classifica o conflito como um "contrasenso" do poder
público. "Os estados deveriam conhecer seus potenciais, o que chamamos
de pilares de desenvolvimento. A questão de Galinhos nos mostra que o
estado não está compatibilizando áreas estratégicas", avalia. De acordo
com Mazaro o argumento se constrói no fato do Instituto de
Desenvolvimento Sustentávele Meio Ambiente (Idema) ter concedido as
licenças prévia e de instalação ao empreendimento mesmo com a existência
de outras áreas potenciais no RN. "Há uma matriz energética
diversificada e o estado tem de pegar o norte do desenvolvimento, mas
vamos com calma. É incoerente quando se pensa em desenvolvimento
estratégico", reforça.
Para consultores e representantes do setor
eólico ouvidos pelo O Poti/Diário de Natal, a falta de diálogo entre
comunidade e empresa desde o início do processo foi determinante para o
caso chegar aonde chegou. "Se há barreira entre empresa e comunidade, a
tendência é o projeto se deteriorar. É preciso que haja um caráter
comunitário, evitando ou fazendo com que o projeto seja readaptado a uma
realidade local. Nesse caso se criou um sistema de animosidade, mas
acredito que a solução está na negociação", avalia o diretor geral do
Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne), Jean-Paul
Prates, que exalta a necessidade das empresas criarem planos de
compensações voltadosaos municípios.
Casos como o de Galinhos
aconteceram em estados como o Ceará, onde a Justiça embargou no começo
do ano o empreendimento da Central Eólica Trairi na comunidade de
Flecheiras. Os embates entre comunidades e empreendedores quanto à
construção de aerogeradores sobre áreas de duna tem gerado análises mais
rigorosas por parte dos órgãos ambientais que fazem o licenciamento,
conforme explica a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica
(Abeeólica), Elbia Melo. "Construir em dunas é um pouco mais difícil do
ponto de vista do projeto. Os órgãos ambientais já não estão concedendo
licenças e os projetos já não estão sendo feitas sobre essas áreas",
afirma.
O embate entre comunidade e consórcio gerou duas
audiências públicas e reuniões técnicas intermediadas pelo Idema.
Enquanto os representantes do município pediram a realocação de 23 dos
35 aerogeradores do projeto, o Brasventos só aceitou realocar cinco
equipamentos. Levado à instância judicial, o projeto chegou a ser
paralisado após uma ação civil do Ministério Público Estadual, no
entanto o Tribunal de Justiça do RN autorizou a continuidade da obra
acatando um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE).
Tratado
como uma das principais preocupações dos representantes da comunidade a
cerca da polêmica, o futuro pós-construção é visto com receio. De fato,
a instalação de um parque eólico se caracteriza por gerar empregos
locais no momento da construção, no entanto os postos de trabalho
reduzem naturalmente na operação, quando entra em cena um novo tipo de
emprego, com profissionais em menor quantidade e mais especializados.
"Depois que estiver instalado como ficará a comunidade? Trata-se de um
emprego temporário, algo que não vai ficar para nós", argumenta a
secretária municipal de Turismo, Chesma Alves.
Um levantamento
elaborado pela professora Rosana Mazaro, da UFRN, identifica que o
turismo beneficia direta e indiretamente 1.100 pessoas em Galinhos. São
281 empregos diretos em pousadas, bares, restaurantes, agências de
receptivo, produção de peças de artesanato, além de passeios de buggy,
charretes, canoas e barcos. Os demais postos de trabalho se dividem no
funcionalismo públicoe na indústria de transformação, setor no qual
cerca de 20 pessoas estão empregadas na salina e na fazenda de camarão.
"Quando já não era mais possível trabalhar com pesca, decidimos unir o
útil e o agradável para trabalhar com turismo", ressalta Chesma Alves,
ressaltando o trabalho de base comunitária desenvolvido a partir do
Projeto Orla, da Superintendência do Patrimônio da União (SPU/RN).
A
professora Rosana Mazaro, da UFRN, não vê com bons olhos a intervenção
feita em Galinhos. "Impacto tem a ver com longo prazo, pois se trata de
algo definitivo", diz. Com a perda do diferencial competitivo e a
"destruição de um patrimônio", Mazaro crê em prejuízos significativos.
"Turisticamente uma duna com aerogeradores não é tão atrativa quanto uma
duna virgem", afirma a professora, que exalta ainda a preocupação com
os riscos ambientais aos quais as Dunas do Capim estão sujeitas. "Com
essa construção, a tendência é que as dunas desapareçam", observa.
Com
o benefício do emprego perdido no momento da operação, Jean-Paulo
Prates acredita que os ganhos nos municípios devem vir através de
compensações dadas pelo empreendedor. "Em princípio, cidades como
Galinhos não têm tanta oportunidade de receber investimentos desse
tamanho", afirma. Para o diretor geral do Cerne, existem exemplos bem
sucedidos no RN, dos quais ele cita Parazinho, Pedra Grande e João
Câmara, locais onde foi possível gerar transformações sociais com a
instalação de parques eólicos. "A partir de um plano de compensações
visando o comunitário é que o dinheiro do projeto flui para a
comunidade", destaca.
Comunidade e consórcio não se entendem
"Somos
a favor da energia eólica, mas nas dunas não". A frase pode ser
creditada a secretária municipal de Turismo, Chesma Alves Marino, mas
compõe o discurso de praticamente todas as entidades locais envolvidas
no movimento contrário ao parque eólico. Pessoas como o presidente da
Associação dos Bugueiros de Galinhos, Mário Helisson da Silva Lima, o
"Ecinho", ou a presidente do grupo de artesanato local, Francisca
Elielma, a "Branca", fazem questão de deixar claro que a intenção não é
ser contra a geração de energia a partir dos ventos. "O problema é o
lugar", enfatiza o presidente da Associação dos Barqueiros, Antônio
Evaristo Pereira, o "Toinho".
Foi com tristeza também que a
presidente do Grupo de Escoteiros de Galinhos, Maria dos Prazeres
Pereira, assistiu ao movimento das máquinas nas Dunas do Capim. "Até um
cego, mesmo sem ver, entenderia que está errado fazer isso em cima das
dunas", opina. A secretária municipal de Turismo lembra ainda que outro
empreendimento do consórcio Brasventos, o Rei dos VentosIII, não sofreu a
mesma resistência da comunidade, exatamente por não estar em uma área
de tabuleiro que não é tão representativa para a população de Galinhos
quanto as Dunas do Capim. Chesma Alves mostra preocupação com o futuro, e
questiona se as pessoas poderão passar perto dos aerogeradores quando o
parque estiver funcionando.
Do outro lado, o diretor do
Brasventos, James Clark, acredita que o turismo não será tão prejudicado
quanto se pensa. O representante do consórcio conta que não foi
possível ceder mais do que a realocação de cinco aerogeradores. "É uma
questão de ter ou não ter o parque. Os motivos alegados não são
suficientemente fortes para que se faça isso", afirma. Segundo ele o
próprio parque Rei dos Ventos I pode ser utilizado como atrativo
turístico. "A tendência é que fiquem a favor quando souberem as
vantagens que ficarão na cidade. Alguns moradores pleitearam uma mudança
maior, mas não é uma opinião geral", avalia.
Para James Clark a
questão paisagística é muito "subjetiva" para gerar a paralisação do
projeto. "Tem gente que gosta e tem gente que não gosta", diz. A empresa
também esclarece que a circulação de pessoas, veículos, além dos
acessos a praia, não ficarão inviabilizados com a operação da usina na
área das dunas.
Recordando o histórico do desenvolvimento da
energia eólica, o diretor geral do Cerne, Jean-Paul Prates, conta que o
conflito entre a instalação dos parques e o fator visual já aconteceu em
outras partes do mundo. "As eólicas ficam em lugares altos ou paisagens
de praias. Por ser uma energia limpa e de baixo impacto, o grande
empecilho e única alegação que sobra é a questão paisagística", analisa.
Na opinião do especialista a convivência é possível e não é rara, porém
quem mais pode afirmar isso é a própria comunidade. "O ruim seria a má
convivência entre comunidade e empreendimento. A melhor saída agora é o
acerto de contas", conclui.
RN não atrai indústrias
A
discussão sobre benefícios da energia eólica após a construção também
giram em torno da questão fiscal. Como o Imposto Sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) é recolhido apenas no destino, o RN não
recolhe nada do imposto, já que a energia vai para outras regiões do
país. O que fica na cidade de fato é o Imposto Sobre Serviço (ISS),
colhido durante a construção. De acordo com a prefeitura de Galinhos, o
valor pago pode variar entre R$ 8 mil e R$ 18 mil por mês em um
empreendimento do tipo. Além do plano de compensações proposto por
Jean-Paul Prates, outra saída seria a atração de indústrias de
equipamentos eólicos para o estado.
A presidente da Abeeólica,
Elbia Melo, conta que a chegada de fábricas de equipamentos eólicos já é
uma realidade para outros estados nordestinos, como Ceará, Bahia e
Pernambuco. O RN trava em um grande problema: infraestrutura. "O
problema está associado à questão logística, pois os equipamentos são
por si só difíceis de transportar", diz Elbia, explicando que a
estrutura portuária e de estradas do estado não é atrativa. Desde que os
investimentos em eólica começaram a acontecer, apenas uma indústria
aportou no estado. A fábrica de torres da Wobben, instalada de forma
itinerante em Parazinho para dar apoio à construção do parque de Santa
Clara.
De acordo com a presidente da Abeeólica, pesaram nos casos
do Ceará e Pernambuco a infraestrutura portuária dos portos de Pecém e
Suape, respectivamente. Na Bahia o transporte marítimo também atraiu
indústrias. Apesar de já ter contratado mais de dois mil megawatts nos
leilões de energia entre 2009 e 2011, quase 49% do resultado nacional, o
estado não tem conseguido a mesma atratividade que os vizinhos de
região.
Processo polêmico terminou na justiça
O projeto
Rei dos Ventos I foi aprovado em 2009, quando o consórcio Brasventos
venceu o leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Antes
de concorrer, o grupo já tinha uma licença prévia da área, concedida
pelo Idema e que é requisito para participação nos leilões de energia.
Em novembro de 2011, quando requeria a licença de instalação, o
consórcio enfrentou a resistência da comunidade de Galinhos, que àquela
altura tomou conhecimento da localização do projeto na área das Dunas do
Capim.
Presidente da Associação dos Bugueiros, "Ecinho", conta
que chegou a ser contratado pelo consórcio para levar os técnicos da
empresa até as Dunas do Capim. "Me contrataram para marcar os pontos e
foi aí que descobri onde seriam colocados os aerogeradores" recorda. Já a
secretária de Turismo também fez a descoberta por acaso, segundo ela,
quando o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA) foram entregues já para serem assinados na prefeitura. Com a
posição contrária da comunidade em relação foram iniciadas negociações
intermediadas pelo Idema.
Duas audiências públicas e reuniões
técnicas foram promovidas desde então, no entanto não se chegou a um
consenso. Enquanto a população queria o reposicionamento de mais de 23
dos 35 aerogeradores previstos, a empresa só se dispôs a realocar cinco
equipamentos. James Clark, diretor do consórcio, lembra que a realocação
de cinco aerogeradores procurou preservar uma distância maior da
comunidade de Galos, onde mora parte da população do município, que
ainda compreende o centro de Galinhos e o assentamento rural de Pirangi.
A comunidade não aceita o argumento, pois os equipamentos permanecem
nas Dunas do Capim.
Em janeiro de 2012 um abaixo assinado com 577
assinaturas de pessoas que trabalham com turismo no município foi
entregue à governadora Rosalba Ciarlini, pedindo a realocação do parque
eólico. No mês seguinte o Conselho Estadual de Turismo do RN
(Conetur/RN) se posicionou contrário a instalação do Parque Rei dos
Ventos I. Em ofício assinado peloentão presidente do conselho e
ex-secretário estadual de Turismo, Ramzi Elali, é solicitada a
realocação do empreendimento para uma área que não atinja as Dunas do
Capim.
Atualmente o posicionamento da Secretaria Estadual de
Turismo é outro. Para o secretário Renato Fernandes "há condições de
convivência harmônica entre o parque eólico e o turismo". Assim como o
representante do consórcio Brasventos, Fernandes vê a presença do
empreendimento como mais um plus para o turismo do município. "O parque
eólico passa a ser não um equipamento turístico, mas um atrativo. Não
vejo problemas se forem respeitados o patrimônio e as questões
ambientais", opina.
No mês de março o Ministério Publico emitiu
uma recomendação conjunta para que o Idema não concedesse a licença de
instalação do parque eólico, porém o órgão liberou a construção do
empreendimento. Ainda em abril o MPE ajuizou uma ação civil pública com
pedido de liminar contra o Idema e o Brasventos, entendendo que o órgão
ambiental concedeu uma licença irregular Aliminar é acatada pela juíza
Maria Nivalda Torquato, da comarca de São Bento do Norte, suspendendo a
licença até o julgamento da ação civil. No dia 15 de junho a liminar do
MP e da Comarca de São Bento do Norte foi suspensa através de um agravo
impetrado pela PGE e acatada pelo TJ-RN. O MP pediu reconsideração.
Felipe Gibson - O POTI