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segunda-feira, 18 de março de 2013


Coronel Araújo Silva: de borracheiro a comandante geral da Polícia Militar

Oficial fala sobre sua trajetória de vida e das dificuldades do cargo em que ocupa.


Fotos: Thyago Macedo
Prestes a completar três anos no cargo de comandante geral da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, o coronel Francisco Canindé de Araújo Silva fala de sua trajetória em entrevista ao Portal BO. De origem humilde, mas de formação pessoal firme, o oficial é uma das figuras mais populares da história da PM potiguar, tanto que se manteve na função mesmo com mudança de governo.
Araújo conta que teve que trabalhar como borracheiro, durante a adolescência, para ajudar o pai no sustendo da família e que hoje, formado em Letras e ocupando o principal cargo da Polícia Militar, está feliz por ter conseguido ultrapassar barreiras e vencer na vida.
Como o senhor entrou na Polícia Militar?
Eu servi ao Exército, aos 18 anos, mas depois fiz concurso para Polícia Militar e fui aprovado em primeiro lugar para cadete. Naquela época, a gente podia escolher entre o Ceará e Pernambuco para fazer a formação. Escolhi ir para a academia de Paudalho, em Pernambuco, e depois de formado voltei ao Rio Grande do Norte.
Quando assumiu uma vaga na Polícia Militar passou pela cabeça que um dia poderia ser comandante geral?
 

 
O sonho de todo cadete é ser oficial, depois ser coronel e, um dia, ser comandante. Esse é um sonho que eu acredito que todo cadete deve ter, mas é um objetivo que pode não ser realizado, porque somente um ocupa essa vaga. Claro que é difícil ser cadete, oficial, coronel e, principalmente, comandante. Então, a gente precisa da proteção de Deus e de um esforço na vida para lutar e conseguir vencer. Eu, por exemplo, nasci no interior [São Bento do Trairi], vim morar em Natal, em um bairro periférico, em Felipe Camarão, mas tive a oportunidade de meus pais me criarem bem e me colocarem para estudar. Por isso, consegui chegar a uma faculdade e estudar em vários países pelo mundo, até que fui nomeado coronel e depois comandante.

Em sua trajetória pessoal, desde a infância, qual o momento mais difícil que o senhor se recorda?
Quando eu vim do interior morar em Natal, ainda criança, fui para um bairro sem água, luz, saneamento e nem rua calçada. Eu estudava na escola 12 de Outubro, nas Quintas, e tinha que ir e volta a pé, pois não tinha dinheiro para ônibus. Papai trabalhava como borracheiro e mamãe cuidava da gente em casa, então, às vezes a gente não tinha o que almoçar ou jantar. Lembro que algumas vezes nosso almoço era soda, mais conhecida como broa. O dinheiro que papai ganhava dava as condições de viver, mas com uma vida muito simples. Para vocês terem uma ideia, a primeira vez que eu dormi em uma cama foi quando fui para o Exército, aos 18 anos. Conheci uma maçã também aos 18 anos.
O senhor trilhou todo o caminho dentro da Polícia Militar, desde cadete até coronel. Depois que assumiu o cargo de comandante geral, viu que era como imaginava ou muita coisa era diferente?
Eu tive oportunidade de ser ajudante de ordem do coronel Mesquita e, depois, fui chefe de gabinete de outro comandante, que foi o coronel Reis. Então, eu tinha familiaridade e entendia as particularidades de um comandante, o sofrimento e angustia. Acontece que tudo isso se passou em momentos diferentes, primeiro em 1996, como ajudante de ordem e, em 2001, como chefe de gabinete. Como o tempo vai passando, aumenta as necessidades e demanda. A própria sociedade vai evoluindo a as responsabilidades de um comandante vai aumentando. Eu costumo reunir os oficiais e dizer a eles que hoje eu sou feliz. Amanhã eu estarei na reserva e vou ligar para o futuro comandante e sabendo que as dificuldades dele serão muito maiores. Eu sou um comandante que enfrento a época da epidemia chamada crack. No futuro, serão outras epidemias.
 

 
Pessoas que o conhecem, como jornalistas que cobrem a área de segurança, costumam defini-lo como um homem com bastante jogo de cintura, tendo bom relacionamento com sua tropa, mas também com gestores e representantes de todos os segmentos sociais. O cargo de comandante geral requer essa habilidade?
Sem dúvida. Eu acredito que consigo viver bem em todos os ambientes justamente pela minha formação pessoal. Vivi no interior, em bairro periférico e sei das dificuldades das pessoas para conquistar as coisas, mas também já tive dias de ficar hospedado em hoteis cinco estrelas e ao lado de autoridades mundiais, como ministros, presidentes e até secretário geral das Nações Unidas.
Toda essa vivência o lapidou para o cargo de comandante geral?
Sim. Mas o principal é a formação que eu tive em casa, de pai e de mãe, que cuidaram de mim e me mostraram o caminho do trabalho e do estudo. Papai e mamãe sempre diziam: você só vai conseguir alguma coisa na vida se estudar e se preparar.
Passados esses três anos a frente da Polícia Militar, o senhor acredita que conseguiu cumprir as ideias e planejamentos do começo da gestão?
Eu digo que tudo que conseguimos é um trabalho em conjunto de todos os militares: soldado, cabo, sargento, tenente, capitão, major e coronel. Sozinho o comandante não é nada. Além de ter esse esforço interno, eu conto com apoio de entidades como Ministério Público, do poder judiciário, das lideranças comunitárias, da imprensa e a proteção de Deus, que nos dá o caminho para seguirmos nessa luta.
Qual foi o momento mais difícil da gestão?
Todas as secretarias de Estado têm muitas dificuldades, como limitações financeiras. A Polícia Militar não é diferente. Porém, o momento mais crítico foi o pleito do subsídio para policiais militares, que era uma luta de décadas para que tivéssemos salário integral. Havia, inclusive, movimento nacional da melhoria de salário. Esse foi um período de dificuldades, de preocupações, da incerteza, mas, no final, logramos êxito. Construímos esse projeto em conjunto. Nunca a Polícia Militar havia discutido o aumento salarial ou implementação de um plano junto com a tropa e nós discutimos com todos os policiais e levamos à governadora. Foi um momento de tensão, porque em todos os estados estavam sendo deflagradas greves e nós conseguimos manter o equilíbrio.
 

 
Como o senhor se sente quando ver a Polícia Militar sendo criticada e até mesmo culpada pela insegurança?
Às vezes a gente sente uma angustia em querer fazer e não poder, devido nossas limitações. Limitações de recursos matérias, recursos humanos e infraestrutura. Mas, o que nos conforta é conversar com comandantes gerais de outros estados, alguns de estados ricos, e ver que eles têm as mesmas angustias, porque acontecem coisas que a PM não tem condições de agir. Um exemplo disso, recentemente Santa Catarina sofreu com uma grande onda de violência. Eu liguei para o coronel Nazareno, comandante da PM de lá, e ele me disse que Santa Catarina era um dos estados mais tranquilos do Brasil e da noite por dia se tornou o mais inseguro do país e lá tem uma infraestrutura grande. Recentemente, aqui no Rio Grande do Norte, nós tivemos três ocorrências com pessoas feitas reféns e isso nos deixa muito angustiado, porque chegam momentos em que não depende só da gente.
Por ser uma figura pública e uma das mais conhecidas em todo Rio Grande do Norte. Comenta-se nos bastidores, que o senhor almejaria um cargo político quando deixar o Comando da PM e for para reserva. Isso é verdade?
O que eu tenho a dizer é que tinha um grande sonho de ser oficial da Polícia Militar, em seguida, de ser coronel e, depois, de me tornar comandante. Hoje, vivo feliz liderando essa tropa e procuro retribuir cada dia essa confiança que recebi dos militares e da governadora que me manteve na função. Enquanto ela achar que eu devo permanecer aqui, vou procurar fazer o máximo pela segurança pública do Estado. Se no futuro eu receber outra missão, estarei pronto para cumprir, mas, hoje, minha missão é comandar a Polícia Militar do Rio Grande do Norte.

 

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